A noite de um cirurgião


A minha cabeça latejava, estou exatamente 3 horas sentado em frente ao computador pensando em como responder um simples e-mail. Escrevia algo e depois apagava, e isso se repetiu várias e várias vezes. Nele minha irmã me perguntava como havia sido o meu dia, ela tagarelou o texto inteiro dizendo como tinha sido a sua lua de mel e por questão de respeito colocou essa simples pergunta que sempre usamos para não sermos taxados de ignorantes no final. Fico feliz por ela, de verdade... Mas a pergunta ficava martelando minha cabeça cada vez mais. Como tinha sido o meu dia? 

Já se passara da meia noite, então fui ao banheiro e me despi para um banho relaxante. Essa sempre foi a minha regra de como sair de uma terrível dor de cabeça: entre no chuveiro em uma temperatura escaldante, deixe a água escorrer e enquanto isso imagine os seus problemas saindo de seu corpo e junto com a água indo para dentro do ralo. Ficar 2 horas dentro do chuveiro pode não ser saudável para seu corpo, mas a sua mente deve sair limpa de lá. Era isso que eu pensava. Me enrolei na toalha, joguei meu corpo na cama e foi aí que as vozes da senhora na sala de recepção explodiram novamente na minha cabeça: 

"Você podia ter salvado ele! Esse é seu trabalho! Você tinha que ter salvo ele!" 

Tampo minhas orelhas para tentar abafar o som que vem da minha própria mente. A dor volta e passa da minha cabeça para a garganta, parece que uma enorme bola de pelos está instalada lá. Ao soltar a bola da garganta começo a chorar como uma criança, algo que não faço há tempos. O choro é incessante, como se todas as vezes que segurei o choro uma parte me mim tivesse armazenado para o momento que não aguentasse mais segurar. Forço para me acalmar e em questão de segundos estou dentro da sala de cirurgia me preparando, colocando as luvas e a máscara. Na mesa o corpo inconsciente de um menino de uns 14 anos de idade respira calmamente. A pele lisa e branca com algumas sardas demostra muita fraqueza, ele realmente precisava deste transplante...

Afasto as memórias que insistem em voltar. Minha respiração acalma e meu choro finalmente cessa, me ajeito na cama e antes de cair no sono deixo a frase que andou me perturbando a noite inteira cair sobre mim mais uma vez: Eu podia ter salvo ele. Eu só precisava de mais 3 segundos.